Seria Jesus um sacrifício humano condenado por Deus?

Seria Jesus um sacrifício humano condenado por Deus?

Uma objeção que se faz ao entendimento de que a morte de Jesus teria caráter expiatório/ substitutivo é: “Deus não aceita sacrifício humano, por isso, o sacrifício de Jesus não seria válido diante de Deus. Ao contrário,  essa crença é uma idéia pagã, uma criação mitológica grego/romana, ou no máximo fruto de um judaísmo helenizado e corrompido.”

O raciocínio acima pode gerar certa perplexidade para aqueles que nunca analisaram a questão sob esse ângulo. O argumento parece fazer sentido uma vez que Deus certamente condena expressamente o sacrifício humano.

O texto sagrado é claro nesse quesito e não deixa dúvidas, vejamos:
וּמִֽזַּרְעֲךָ֥ לֹא־תִתֵּ֖ן לְהַעֲבִ֣יר לַמֹּ֑לֶךְ וְלֹ֧א תְחַלֵּ֛ל אֶת־שֵׁ֥ם אֱלֹהֶ֖יךָ אֲנִ֥י יְהוָֽה

E da sua descendência não darás nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome do teu Deus. Eu sou o Senhor. Levítico 18.21

e:
בְךָ֔ מַעֲבִ֥יר בְּנֽוֹ־וּבִתּ֖וֹ בָּאֵ֑שׁ קֹסֵ֣ם קְסָמִ֔ים מְעוֹנֵ֥ן וּמְנַחֵ֖שׁ וּמְכַשֵּֽׁף
Não  se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro. Deuteronômio 18.10

Como então responder a uma argumentação que parece tão consistente e que toma o texto sagrado como base? A cena de  adultos covardemente oferecendo uma criança em um altar a fim de apaziguar a ira de deuses violentos é a última coisa da qual o Deus de Israel poderia se agradar.

Quem, em sã consciência, poderia apoiar uma perversidade como essa, quem poderia defendê-la? Parece que não há saída, mas rever todos os conceitos que de alguma forma moldaram a crença em Jesus.

Uma vez pego nessa linha de pensamento, a solução lógica parece ser a de classificar a fé em Jesus e seu sacrifício como uma manifestação de puro paganismo.

Analisemos com cuidado essa questão.Imaginemos a cena de uma mãe que vê seu filho pequeno ser carregado pelas correntezas de um rio. A mãe sabe que para salvar seu bebê, ela terá que colocar sua própria vida em perigo. A mãe não exita, pula dentro do rio, nada até seu filho e, com toda sua força, o arremessa para fora. O bebê, cai na margem do rio e é levado para um local seguro. A mãe, entretanto, não tem a mesma sorte. As águas violentas a engolem e a mãe perece.

No relato acima temos uma pessoa adulta, que livremente se dá para salvar outra pessoa. Neste caso, a mãe é a heroína da história, não a vítima subjugada para satisfazer a ira divina.

A morte de Jesus, pertenceria a qual categoria? Seria ele uma vítima do capricho divino, ou seria o herói que se dá para salvar o perdido?

No livro de Gênesis, temos uma história cujo tema central parece ser esse tal sacrifício humano tão condenado. Naquela ocasião, algo estranho acontece: Deus, que proíbe o sacrifício humano, parece requerer justamente isso! Vejamos o que Deus diz para Abraão:

Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei.  Gênesis 22.2

Seria Deus uma entidade sádica e doente que, ao invés de ensinar um pai a cuidar de seu filho, exige dele uma covardia imoral? Um homem adulto matando seu filho pequeno e indefeso para apaziguar a ira divina seria algo característico do paganismo, nunca de um Deus bom e moral.

A chave para entendermos essa hitória é justamente entendermos que não havia nenhuma criança indefesa, Isaque, a “vítima” era um adulto de 37 anos, e seu pai, um ancião de cerca de 137 anos. Ou seja, Isaque, um vigoroso adulto capaz de carregar em suas costas lenha com o peso suficiente para queimar seu próprio corpo, caminha, juntamente com seu idoso pai.

Eles sobem juntos um monte na terra de Moriá.Isaque participa ativamente da caminhada que inevitavelmente levaria à sua própria morte. Quando seu pai o amarra e o coloca sob o altar, ele está consciente do que está acontecendo. Ele obviamente se deixa amarrar, ele se entrega à vontade de seu pai.Se assim não fosse, como entender a cena de um ancião prevalecendo sobre um homem na flor da idade?

A tradição judaica acrescenta que Isaque pede ao seu pai idoso que prenda suas próprias mãos de forma a impedir, que pelo seu impulso natural, ele tentasse escapar da morte quando lhe fosse deferido o golpe mortal.

Além do fato de Isaque não ser uma criança, logo no início do relato, sabemos que opedido de Deus era um teste e que ele não permitiria que Abraão levasse a cabo a ordem dada. Está escrito que, essa instrução, era na verdade um teste. Deus não nunca intencionou que Abraão viesse de fato a matar Isaque. Vejamos:

(…) pôs Deus Abraão à prova (…). 
Gênesis 22.1

Essa não é a única ocasião na qual Deus leva o homem a uma situação na qual, ele, homem, possa reagir como Deus agiria. Explicando melhor, Deus queria que Abraão experimentasse um amor tão forte por Deus que o levasse a abrir mão das coisas que ele amava para agradar a Deus.

Deus um dia iria requerer de si mesmo, aquilo que ele havia requerido de Abraão. Deus requereu de si mesmo, por amor ao homem, que ele abrisse mão de seu filho Yeshua, mesmo porque, ao entregar Yeshua a morte, Deus estava entregando a si mesmo pois os dois são um. Yeshua emana do Pai.

O mais interessante dessa história é que, existe um paralelo entre, o gesto de Isaque, sua participação ativa em algo que o levaria a morte, e, a entrega que Yeshua fez de si mesmo, anos mais tarde, no mesmo Monte Moriá.

Yeshua se declara participante de todo processo. Ele não se define como uma vítima indefesa. Vejamos:

(…) eu dou a minha vida para a reassumir.  
Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou.
Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la.(…) 
João 10.17 a 18

Em outra ocasião, quando seus discípulos tentaram defendê-lo para não ser preso ele os repreendeu dizendo:


Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder?
Mateus 26.53 e 54


Nesse ponto é importante perguntar: O que será que Yeshua quis dizer com a pergunta: Como, pois, se cumpririam as Escrituras? Como assim? Quais seriam essas tais Escrituras as quais ele se referiu? Será que ele estaria falando justamente da história de Isaque?