NOVO TESTAMENTO EM GREGO?

Novo Testamento em Grego? 

No Monte Sinai, pela primeira vez,  vimos um fenômeno fascinante: todas as pessoas, filhos de Israel ou não, ouviram as palavras de Deus na sua própria língua! É importante destacar que  um misto de gente, ou seja, pessoas de várias origens, também aproveitaram a fuga do povo de Deus para se libertarem do  Egito e foram para o deserto com eles. Vejamos:

 Subiu também com eles um 

misto de gente / rav erev / רַ֖ב עֵ֥רֶב , ovelhas, gado, muitíssimos animais.

Êxodo 12.38

Todos ouvem as vozes/kolot/קֹלֹ֨ת:  

Ao amanhecer do terceiro dia, houve vozes/ קֹלֹ֨ת, e relâmpagos, e uma espessa nuvem sobre o monte, e mui forte clangor de shofar/ שֹׁפָ֖ר, de maneira que todo o povo que estava no arraial se estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. (…) 

 Moisés falava, e Deus lhe respondia no trovão/ voz/ קֽוֹל/kolot

Êxodo 19.16-19

Desde o início, Deus mostra que deseja se comunicar com o homem e, para isso, usa as diversas línguas. Esse mesmo fenômeno de inclusão acontece, quando da Festa de Shavuot, mais conhecida como Pentecostes, os judeus que moravam na dispersão, e que por isso falavam outras línguas; puderam ouvir na suas próprias línguas as maravilhas de Deus.  

Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua.

 Estavam, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: 

Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando?

 E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?

 Atos 2. 6-8

O fato de se poder compreender a mensagem divina nas mais variadas línguas humanas, não retira do hebraico sua relevância. As características da língua hebraica a tornam especialmente apropriadas para serem a língua da maior parte da bíblia. A gematria hebraica e a concretude do heraico o torna único. Vários sábios judeus consideram que, antes da torre de Babel, toda a terra possuía apenas uma língua, que era o hebraico. O hebraico também seria a língua sagrada da criação.

Assim como o povo judeu foi atacado e disperso por todo mundo, também a língua hebraica ficou adormecida por muitos anos. Durante muito tempo ela ficou restrita aos rituais litúrgicos. Entretanto, com o renascimento do Estado de Israel, a língua hebraica ressurgiu e, hoje se compreende melhor sua importância.

Na época do Segundo Templo, apesar do processo de helenização ter trazido o grego e o latim para a terra de Israel, evidências arqueológicas provam que o hebraico continuou a ser usado até o segundo século.

Uma contundente prova disso está no achado da carta escrita por Shimon Ben Kosiba, também conhecido como  Shimon Bar-Kokhba. Esse homem era um general  judeu, líder da revolta judaica contra Roma entre 132 e 135 d.C. Durante essa revolta ele escreveu para seus exércitos.

A imagem abaixo é um fragmento de um pergaminho com uma carta dele descoberto em 1960. Está escrito na carta:

“De Shimon Ben Kosiba 

a Yeshua Ben Galgoula e aos homens do forte, a paz …” 

Esta carta, escrita pelo próprio Shimon a um de seus líderes, está escrita em hebraico. Porque alguém escreveria uma carta em uma língua que ninguém poderia entender? É óbvio que o hebraico estava vivo naquela época.

Além dessa carta, foram achadas várias moedas. Todas cunhadas em Israel durante o período do segundo Templo. Essas moedas possuem inscrições em hebraico.  

Na moeda da esquerda está escrito: 

  ירושלים / Yerushalayim / Jerusalém.

Na moeda à direita está escrito a palavra ouvir /שמע /sh’ma com letras do alfabeto paleo-hebraico. Usar o alfabeto paleo-hebraico em moedas era comum na época. 

  ירושלים / Jerusalém
ouvir /שמע /sh’ma

Os pergaminhos descobertos nas cavernas do Mar Morto foram escritos entre 100 d.C. e 70 d.C. 

Alguns desses pergaminhos e fragmentos são de livros bíblicos, mas outros são trabalhos referentes aos negócios do dia a dia. O fato de se encontrar documentos em hebraico tratando de temas cotidianos é mais significativo do que encontrar textos sagrados em hebraico. Texto sagrado em hebraico poderia significar que o hebraico era usado apenas na literatura religiosa, mas, usar o hebraico para assuntos seculares é evidência que essa era uma língua vida. Além disso, as cartas descobertas são linguisticamente interessantes, pois incluem muitos erros de ortografia, revelando um hebraico falado que se assemelha em alguns lugares aos fenômenos do hebraico coloquial moderno.

90% dos pergaminhos e fragmentos, aproximadamente são escritos em hebraico, enquanto apenas 5% são em aramaico e 5% em grego. Enquanto a maioria das inscrições hebraicas usa o script hebraico tardio, alguns deles usam o script antigo ou paleo hebreu, como a imagem abaixo, que é uma parte do livro de Levítico.

A história revela que havia dois grupos distintos de judeus no primeiro século. 

O primeiro grupo seriam aqueles fiéis à Torah. Eles privilegiavam o hebraico ainda que pudessem ser capazes de falar outras línguas (em especial o Aramaico). O segundo grupo seriam aqueles menos religiosos. Eles adotaram a língua e a cultura gregas, mas também sabiam o hebraico.

O livro de Macabeus, um dos livros dos apócrifos, conta a história da revolta judaica cerca de 150 anos antes da época do Novo Testamento. Os gregos, liderados por Antíoco Epífanes, conquistaram a terra de Israel e forçaram os judeus a deixar sua herança e suas fé para começar a seguir a cultura grega. 

O zelo dos judeus fiéis contra o helenismo acabou por fomentar grande descontentamento. Até que, Judá, o Macabeu, liderou uma revolta contra Antíoco Epifânio, expulsando os gregos e inclusive matando os judeus que adotaram a língua e a cultura gregas. Essa revolta demonstra o desprezo judaico à cultura do dominador. Portanto, seria muito improvável, quase absurdo, supor que os judeus adotaram livremente a língua grega durante o tempo do Novo Testamento. Quem de livre e espontânea vontade resolveria aderir a língua do inimigo? Escrever o Novo Testamento, ou seja, escrever um documento religioso em Grego seria o mesmo que retirar dele qualquer relevância para os leitores judeus.

Josephus, um historiador judeu do primeiro século, registrou a vida e o sentimento judaicos durante o período do Novo Testamento. Em sua obra Antigüidade dos Judeus, ele escreve:

 “Eu também me esforcei muito para obter o aprendizado dos gregos e entender os elementos da língua grega. Eu me acostumei tanto a falar nossa própria língua (hebraico) que não consigo pronunciar com exatidão o grego. Nossa nação não encoraja aqueles que aprendem as línguas das nações.”

(Josephus, Ant.20.11.2)

Adicionado ao testemunho de Flávio Josefo, muitos dos chamados “pais da igreja” dos séculos II e III d.C. declararam explicitamente que o livro de Mateus foi originalmente escrito em hebraico:

  1. Papias (150-170 EC) – Mateus compôs as palavras no dialeto hebraico, e cada um traduzida como pôde. Eusébio; Eccl. Hist. 3:39
  2.  Irenaeus (170 d.C.) – Mateus também emitiu um evangelho escrito entre os hebreus em seu próprio dialeto. Contra as heresias 3.1
  3. Orígenes (210 d.C.) – O primeiro [Evangelho] é escrito de acordo com Mateus, o mesmo que já foi cobrador de impostos, mas depois um apóstolo de Jesus Cristo que o publicou para os crentes judeus, escreveu em hebraico. Eusébio; Eccl. Hist. 6:25
  4. Eusébio (315 d.C.) – Mateus, depois de proclamar o Evangelho em hebraico, quando estava a ponto de ir também para as outras nações, se comprometeu a escrever em sua língua nativa para que, dessa forma, pudesse suprir a necessidade de sua presença através de seus escritos. Eccl. Hist. 3:24
  5. Epifânio (370 EC) – Eles (os nazarenos) têm o Evangelho segundo Mateus bastante completo em hebraico, pois esse evangelho certamente ainda é preservado entre eles, como foi escrito pela primeira vez, em letras hebraicas. Panarion 29: 9: 4

Ora, se Mateus, um judeu, escreveu seu evangelho em hebraico, não seria natural que os outros apóstolos, que eram todos Judeus, também não o fizessem?

O Novo Testamento Semítico

Embora a maioria das pessoas esteja familiarizada com os textos gregos do Novo Testamento que datam do quarto  século, muito poucos estão familiarizados com o Novo Testamento Aramaico que data do quinto século. O aramaico e o hebraico são línguas irmãs e são muito semelhantes.

Uma pergunta intrigante é: os originais do Novo Testamento foram escritos pela primeira vez em grego, aramaico, ou hebraico?

Argumentar que, porque os textos gregos são mais antigos, os originais seriam em grego não é um argumento forte. Até a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto em 1946, os textos mais antigos do Antigo Testamento estavam em grego e ninguém jamais imaginou que o Antigo Testamento havia sido escrito originalmente em grego.

Quando o Novo Testamento grego, descobrimos hebraísmos, rimas e trocadilhos. Muitos desses hebraísmos não fazem sentido em grego, mas apenas em hebraico ou aramaico. Isso aponta para a tese de que o Novo Testamento foi originalmente escrito em um idioma semítico (Hebraico e Aramaico) e traduzido posteriormente para o idioma grego.

As características da língua hebraica que surgem quando se traduz o Novo Testamento do grego para o hebraico também fornecem elementos que reforçam a tese da autoria semítica. Vejamos:

  1.  Carne e Sangue / בָשָׂר וָדָם  é uma expressão hebraica que significa: pessoas.  Essa expressão não existe em aramaico nem em grego.

 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue / בָשָׂר וָדָם que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. Mateus 16.17

  1. O Novo Testamento relata  um episódio onde Paulo é avisado sobre uma conspiração contra ele:

Mas o filho da irmã de Paulo, tendo ouvido a trama, foi, entrou na fortaleza e de tudo avisou a Paulo. 

Atos 23.16

Interessante observar que quem avisa a Paulo sobre a conspirata foi “o filho da irmã de Paulo”. A expressão “filho da irmã de Paulo” é um péssimo português. Acontece que, em hebraico, não existe uma palavra só para se dizer sobrinho. Usa-se: filho do irmão, ou filho da irmã, filha do irmão ou filha da irmã. Essa forma de falar é até mais prática nessa fala pois já indica especificamente se o sobrinho/a é paterno ou materno. 

  1. Outro elemento para análise linguística seria o uso constante do artigo “e”no início de frases. Essa característica seria um péssimo português, porém é uma forte marca da língua hebraica que acabou aparecendo no texto em português!

Adicionado a isso, o relato bíblico em si, traz evidências claras de  que a língua hebraica era falada por judeus na época de Jesus. Vejamos: 

  1. Em Pentecostes, entre as línguas citadas como línguas estranhas está o grego: 

“Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, 

estavam todos reunidos no mesmo lugar;

de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados.

E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles.(…)

 Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando?

E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotâmia,

 Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem,

tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?

 Atos 2.8-11

Importante observar que os cretenses falavam grego, assim, se o grego fosse considerado uma língua comum que todo judeu falasse no dia a dia, porque seria citado como língua estranha? Porque as pessoas ficariam atônitas diante de alguém falando uma língua conhecida por todos?

  1. Os evangelhos citam de forma transliterada a oração que Jesus fez momentos antes de morrer. Percebemos através da transliteração as palavras em hebraico que ele falou:

   E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?

 Mateus 27.46   

  1. Quando Jesus foi crucificado, por cima de sua  cabeça escreveram em 3 línguas, uma delas foi hebraico: 

E também por cima dele, estava um título, escrito em letras gregas, romanas, e hebraicas:

 ESTE É O REI DOS JUDEUS .

 Lucas 23.38  

  1. Jesus escolheu usar o hebraico para se comunicar com Paulo no caminho de Damasco: 

E, caindo todos nós por terra, ouvi uma voz que me falava em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? 

Atos 26.14a

  1. Jesus não mudou o nome do Apóstolo de Saulo (nome em hebraico), para Paulo (nome em grego)
  1.  Em Atos 26, Paulo explica ao rei Agripa sua missão dizendo: 

Ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, cuja claridade me envolveu a mim e aos que iam comigo.E, caindo nós todos por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?

Atos 26.13 a 14

  1.  Em Atos 21.30-40 e Atos 22.1-3 temos o relato de quando Paulo foi preso em Jerusalém.  Na ocasião,  havia uma multidão gritando enfurecida contra ele. De repente, todos fazem silêncio simplesmente pelo fato de Paulo se dirigir a eles em hebraico! Ora, isso mostra que o hebraico estava bem vivo no tempo de Paulo. 
  1. A língua de um povo é uma marca que não se perde facilmente. Os 70 anos que os judeus passaram na Babilônia, os 200 anos na Pérsia e os 2.000 anos de diáspora não puderam apagar essa língua, se assim não fosse, como seria possível haver hoje um país cuja língua oficial é o hebraico? 

Finalmente, aqueles que defendem que os evangelhos foram escritos em grego devem responder:

  1. Porque Jesus escolheu falar com Paulo em Hebraico?
  2. Uma vez que Jesus nunca mudou o nome judaico de Saulo para o nome grego Paulo, porque todos nós o conhecemos como Paulo e não Saulo? 

Precisamos pensar nas questões colocadas acima e reavaliar certas crenças, que, apesar de consolidadas, não estão baseadas em provas cabais. A hipótese acima, merece ser considerada por aqueles que buscam a verdade.

Prossigamos redescobrindo o caminho.

Silvia Mazoni